O recente e trágico tornado que devastou Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, na última semana, trouxe à tona a força destrutiva desses fenômenos e reacendeu o alerta sobre sua ocorrência no Sul do Brasil.
Quinze anos atrás, em 2010, a Serra Gaúcha viveu seu próprio dia de terror. Naquela ocasião, Canela foi atingida por um tornado que deixou um rastro de destruição impressionante, mas que hoje é lembrado tanto pelo susto quanto por um fato notável: a ausência de vítimas fatais.

A noite da fúria da natureza: 21 de Julho de 2010
Era uma noite de quarta-feira, 21 de julho de 2010, quando as condições meteorológicas, alimentadas por um ciclone extratropical, se alinharam de forma devastadora sobre a Região das Hortênsias.
Estações oficiais registraram rajadas de vento de 124 km/h. No entanto, a análise do rastro de destruição levou meteorologistas a estimarem que, no epicentro do funil, os ventos podem ter se aproximado dos 200 km/h.
O fenômeno foi confirmado: um tornado havia varrido sete bairros da cidade.
O meteorologista Eugênio Hackbart, da MetSul, falou na época que ventos de 124 km/h que atingiram as cidades Canela e Gramado, na Serra Gaúcha. Segundo ele, pelas características da destruição provocada pela ventania, é possível afirmar que o fenômeno foi um tornado. “O comportamento do vento e os estragos ocasionados como decepar grandes árvores, retorcer telhas de alumínio e ferro são típicos de tornado”, afirmou Hackbart.

O Cenário da destruição
Ao amanhecer, a dimensão do desastre ficou clara. Os números consolidados pela Defesa Civil na época ainda impressionam:
- Casas Atingidas: Cerca de 400 residências foram danificadas, a maioria com destelhamentos graves.
- Totalmente Destruídas: Mais de 80 casas foram completamente ao chão.
- Impacto Humano: Mais de 200 famílias tiveram que deixar suas casas (desalojadas).
- Infraestrutura: 80 postes de energia foram derrubados, mergulhando a cidade na escuridão, e mais de 250 árvores de grande porte foram arrancadas pela raiz.
O tornado atingiu um total de sete bairros em Canela:
- São José
- Quinta da Serra
- Santa Terezinha
- Vila Maggi
- Vila do Cedro
- Santa Marta
- Leodoro de Azevedo
Entre eles, o bairro Santa Terezinha foi consistentemente relatado como o mais devastado. Na época, o então prefeito Constantino Orsolin descreveu a cena no bairro dizendo que “parece que passou uma motosserra”, onde uma escola municipal foi destelhada e fábricas de móveis foram dizimadas. O Aeroclube de Canela, que também sofreu destruição severa, estava na rota que atravessou essas localidades.
Constantino Orsolin, decretou Situação de Emergência após estimar os prejuízos totais em cerca de R$ 54 milhões de reais em um primeiro momento.

Os desdobramentos judiciais do caso
Na esfera dos desdobramentos, o “Caso Tornado” se desdobrou em um longo e complexo processo judicial. Após o desastre, a Prefeitura de Canela, sob a gestão do então prefeito Constantino Orsolin, decretou Situação de Emergência e recebeu R$ 7 milhões em verbas federais para a reconstrução.
O Ministério Público Federal (MPF) iniciou então uma Ação Civil Pública por improbidade administrativa, focada em graves irregularidades no uso desse dinheiro. A principal acusação foi a dispensa indevida de licitação para contratar a empresa Monterry Montagem de Stands Ltda., que, segundo a procuradoria, não possuía qualificação técnica para construção civil (seu registro no CREA/RS foi obtido após o contrato) e era especializada em montagem de estandes para feiras. Além disso, a investigação apontou que localidades não atingidas pelo tornado, como a Rua Rodolfo Schilieper, foram incluídas nos relatórios de danos.
O processo se dividiu: na esfera criminal, o prefeito foi absolvido, pois a justiça entendeu que não houve dolo (intenção de cometer o crime). No entanto, na esfera cível (improbidade administrativa), o caso se arrastou por mais de uma década. Em agosto de 2024, foi proferida a decisão definitiva (transitado em julgado), condenando Constantino Orsolin à perda dos direitos políticos por cinco anos e ao ressarcimento, junto com outros réus (incluindo o ex-secretário de Obras e o proprietário da empresa), de R$ 1,72 milhão (mais multas e correções) aos cofres públicos.
Apesar da decisão final, o prefeito negou irregularidades, afirmou que dos R$ 7 milhões recebidos, R$ 2,5 milhões foram devolvidos em 2012, e anunciou que, em resposta ao que considera uma injustiça, se lançaria pré-candidato a deputado estadual.
O “Milagre” de Canela
Diante de um cenário com mais de 80 residências reduzidas a escombros, a expectativa era por uma tragédia humana. Contudo, o que se confirmou nas horas seguintes foi o que muitos moradores consideram, até hoje, um milagre.
Apesar da violência do tornado e da vasta destruição material, o balanço oficial de vítimas foi de 11 pessoas com ferimentos leves e, incrivelmente, nenhuma vítima fatal.
A Prefeitura decretou situação de emergência, e uma onda de solidariedade, com apoio da Defesa Civil e de cidades vizinhas como Gramado, mobilizou-se para enviar lonas, colchões e materiais de reconstrução.
Um risco real na Região Sul
O evento de Canela em 2010 e o recente desastre no Paraná não são casos isolados. Como apontam os materiais de referência sobre o tema, a Região Sul do Brasil é, de fato, considerada a segunda área mais propensa a tornados no mundo, atrás apenas da região central dos Estados Unidos.
Esta área faz parte do chamado “Corredor de Tornados” da América do Sul. Estudos acadêmicos, como um levantamento da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), corroboram essa realidade, tendo identificado 411 tornados na Região Sul entre 1975 e 2018.









