A história de João (nome fictício), um jovem de 20 anos que, após uma crise, foi acolhido no hospital e encaminhado para a rede de atenção psicossocial (Raps) de Canela, é um retrato da crescente demanda por cuidados em saúde mental no município. O Centro de Atenção Psicossocial (Caps) local confirma: é cada vez maior o número de pessoas que atingem um nível de fragilidade emocional que exige ajuda especializada. Em resposta, a cidade estruturou uma rede pública, coletiva e intersetorial que oferece acolhimento e cuidado para que esses cidadãos possam se reerguer e ressignificar suas vidas.

Neste Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre a prevenção ao suicídio, os profissionais que atuam na linha de frente explicam como funciona esse fluxo de atendimento.

Um protocolo integrado em Três Níveis

Para organizar e dar maior suporte à comunidade, a Secretaria Municipal de Saúde de Canela desenvolveu um protocolo que integra o cuidado em diferentes níveis de complexidade. Tânia Aguiar, coordenadora da área, explica que o atendimento é compartilhado.

Os casos mais leves são acompanhados nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), a porta de entrada do sistema. Ali, os pacientes encontram escuta qualificada e orientação para lidar com suas emoções. Situações mais severas e persistentes são direcionadas ao Caps, onde uma equipe multidisciplinar oferece atendimento especializado.

O nível mais extremo ocorre no âmbito hospitalar. Pacientes em crise aguda ou com ideações suicidas são levados ao Hospital de Caridade de Canela (HCC). “Nosso serviço visa atender as emergências, acolher este usuário até uma avaliação do especialista, dando suporte também de assistência social e fazendo uma ponte com o Caps para o desfecho do caso”, detalha a responsável técnica da Enfermagem, Maria Cecília Picollotto de Oliveira.

Na Ponta: O acolhimento na Atenção Primária

O psicólogo Dhones Stalbert Nunes da Silva é um dos profissionais que realizam o primeiro auxílio nas UBSs Canelinha e Central. Ele atende desde crianças a idosos, mas observa uma maior demanda entre adolescentes e adultos jovens. “São pessoas que chegam até nós em sofrimento mental por diferentes motivos, e nosso trabalho é fazer com que eles ressignifiquem esse sofrimento”, afirma.

Dhones, que atende em média 120 pacientes por mês, aponta que características locais, como a cultura de longas jornadas de trabalho e o alto custo de vida, impactam a saúde mental da população, deixando pouco espaço para o lazer. “A rede de atenção psicossocial busca combater o adoecimento através da conscientização para a importância do cuidado que cada um deve ter com suas emoções”, destaca.

Para ele, a estratégia fundamental é mostrar que o autoconhecimento é poder e que pedir ajuda não é fraqueza, mas um ato que torna o caminho para a recuperação mais rápido e digno. “Por isso, também, a participação das famílias é tão importante, para que essas pessoas não se sintam sozinhas”, completa.

CAPS: Tratamento especializado e humanizado

Quando o paciente necessita de um acompanhamento mais aprofundado, ele é acolhido pelo Caps. A coordenadora Janine Palodetti explica que cada caso é analisado coletivamente pela equipe técnica, que define, junto com o paciente, um Projeto Terapêutico Singular (PTS). “No PTS pode ser indicado o acompanhamento psiquiátrico, a psicoterapia, a orientação de um assistente social, a participação em oficinas e grupos terapêuticos, entre outras medidas”, detalha.

Janine lembra que o Caps representa uma mudança histórica no tratamento de saúde mental no Brasil, substituindo o antigo modelo de internação compulsória em hospitais psiquiátricos. “Agora, o cuidado é feito em liberdade. Ajudamos essas pessoas a terem maior controle da sua vida através do acolhimento com esse olhar humanizado, trabalhando o cuidado em todas as esferas e com a família junto dando apoio”, relata. A integração com outros serviços do município, nas áreas de educação e empregabilidade, também é uma ferramenta para a ressocialização dos usuários.

Emergências e o olhar diferenciado do Hospital

Os casos mais graves, como crises agudas e tentativas de suicídio, são recebidos pela emergência do HCC. Após o primeiro atendimento, a equipe avalia se o paciente pode seguir para um tratamento ambulatorial ou se necessita de internação em leitos de saúde mental regulados pelo Estado.

A enfermeira Maria Cecília ressalta que o hospital já se movimenta para qualificar equipes e adaptar espaços físicos para essa demanda crescente. “Eles demandam um olhar diferenciado por parte da equipe, pois o sofrimento mental não pode ser medido por números, como é possível em outras situações de saúde”, conclui.

Você não está sozinho: Procure ajuda!

Se você está passando por uma situação de sofrimento mental ou conhece alguém que precisa de ajuda, saiba que existe uma rede de apoio disponível em Canela.

• Centro de Valorização da Vida (CVV): Disque 188 (ligação gratuita, 24 horas por dia)
• Caps: Rua São Francisco, 180, Centro – (54) 3282-5159
• UBS São Luiz: Rua Cézar Pedro Raymundo, 48, Bom Jesus – (54) 3282-5115
• UBS Canelinha: Rua Adalberto Wortmann, 20, Canelinha – (54) 3282-5116
• UBS Santa Marta: Rua Primeiro de Janeiro, 909, Santa Marta – (54) 3282-5115
• UBS Leodoro Azevedo: Rua Tio Elias, 385, Leodoro de Azevedo – (54) 3282-5117
• UBS Central: Rua Sete de Setembro, 340, Centro – (54) 3282-5119